Na próxima sexta-feira (03/08), o gestor executivo do Centro Integrado Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (Cisam/UPE), professor Olímpio Barbosa de Moraes Filho, realizará uma exposição no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)442, a ação pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana gestação.
A participação do Dr. Olímpio, que também é presidente da Comissão de Pré-Natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) no encontro se dá pela sua vivência há cerca de 30 anos no Cisam sobre o tema. A unidade hospitalar da UPE foi o primeiro serviço de aborto legal (lei de 1996) consolidado fora do eixo Rio-São Paulo.
“É devido à minha experiência, estudos e pesquisas que posso afirmar: descriminalizar o aborto é imprescindível para que as políticas de planejamento reprodutivo sejam mais efetivas. Ao menos 500 mil mulheres por ano seguem fazendo abortos clandestinos e metade dessas mulheres se faz necessário a internação hospitalar para tratar de complicações. Se consideramos que, segundo os dados da pesquisa “Nascer no Brasil”,da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, 55% das gestações que chegam a termo no Brasil não são planejadas e, mais grave ainda, 30% das mulheres não desejam a maternidade, esse é um cenário que demanda urgente compreensão no Brasil”, destaca.
Segundo Moraes, quando uma mulher com uma gravidez indesejada ou um aborto busca um serviço de saúde, ela entra no que se chama de rota crítica do aborto. A rota se inicia com o ingresso dessa mulher no serviço de saúde, procurando assistência no pré e/ou no pós-aborto. “É neste momento que se pode entender o que levou aquela mulher a não querer continuar com sua gravidez. Através da escuta sem julgamento e acolhimento respeitoso, tem-se a chance de descobrir se a gravidez foi fruto de uma violência sexual, de uma relação não consentida, ou da falta de informações sobre planejamento reprodutivo e, a partir daí, prover informações sobre a melhor maneira de lidar com a situação vivida por aquela mulher.”, explica.
Confira trechos do médico sobre a sua opinião com relação a ADPF 442:
A entrada da mulher na rota crítica do aborto é o momento crucial para quem busca a diminuição dos números de aborto no país. A criminalização impede que a rota crítica seja um momento de proteção e cuidado, e inclusive de prevenção de um segundo aborto. As mulheres que realizam abortos, hoje, temem os profissionais de saúde e não nos procuram. E aquelas mais corajosas que buscam os serviços de saúde se calam sobre a verdade do aborto: temem sofrer vários tipos violência; entre elas, ser denunciadas e presas. Preciso dizer que nenhum médico pode faltar com a confidencialidade ou sigilo da paciente, mas nem sempre é assim. Assim, nós médicos perdemos este momento único para realizar ações de planejamento reprodutivo.
Quando a mulher que provoca um aborto não tem acesso a métodos anticoncepcionais, principalmente aqueles de longa duração, como o DIU, esta mulher apresenta elevado risco de vivenciar nova gestação não planejada e um novo aborto inseguro em pouco tempo. E o pior, muitas morrem ou são vítimas de sequelas graves, em decorrência do retardo do diagnóstico e da falta de tratamento tempestivo e adequado.
Não à toa, os países de leis mais restritivas sobre o aborto são também aqueles com as maiores taxas de aborto, porque a criminalização impede que se cuide desta mulher na rota crítica. Ou seja, por motivo da criminalização do aborto, a mulher não procura ajuda na rede de saúde e resolve o seu problema na clandestinidade, sem acesso e orientação a métodos contraceptivos de elevada efetividade, o que perpetua o ciclo de vulnerabilidade, gravidez indesejada e aborto de repetição.
Ninguém é a favor da morte ou do aborto. Todos nós queremos diminuir os números de abortos no Brasil, porque somos todos a favor da vida. Como médico, tenho o dever ético de defender a vida. A diferença crucial é como escolhemos enfrentar o problema do aborto. A única forma de diminuir o número desses abortos é o aumento dos permissivos do aborto, como acontece na quase totalidade dos países desenvolvidos.
Defendo que o aborto não seja tratado como um crime, mas sim como uma questão de saúde pública. Caso contrário, as mulheres continuarão a não procurar o serviço de saúde tempestivamente, e quando procurarem, continuarão negando informações que levarão a erros de diagnóstico e procedimentos inadequados, com graves sequelas e mortes.
Como diz o ex-presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), Mahmoud Fathalla: “As mulheres não morrem porque sua doença não pode ser tratada. elas estão morrendo porque as sociedades ainda não tomaram a decisão que suas vidas devem ser salvas”.